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domingo, 27 de julho de 2014

Remorsos

Desde a morte da minha mãe eu teimo em pensar que cada vez que escrevo/falo sobre o assunto já me basta para esgotá-lo. Tenho sempre a mesma impressão de que esvaziarei o que tanto me sufoca. O tema não se esgota. É recorrente nos textos e diariamente nas milhares de lembranças de sons, gostos, objetos, lembranças, piadas e, principalmente, naquilo que ela não está vivenciando.

De todos os parentes e amigos, eu acredito ser o que menos soube lidar com o fato. Nunca chorei tudo o que acredito ser o necessário para exorcizar muitos dos problemas surgidos com essa perda. Não bastando achar que foram poucas lágrimas, me questiono quanto minha atitude ser um demonstrativo de afeição. Minha cabeça quer medir amor conforme o sofrimento.

Vi  todos ao meu redor em prantos, mas eu não. Isso ainda me assusta, me corrói. Por quê e pra quê tanta coisa acumulada? Alguns me classificaram, na ocasião, como sendo muito forte. Só que esse "excesso de força", ainda hoje constante, têm causado cansaços, também constantes.

Não me privo de choros. Tenho até uma visão poética sobre eles, acho que são necessários quando os sentimentos estão excessivos. A válvula de escape. Só não sei "ativar" essa fonte. Buscar lembranças, cavá-las, para conseguir alguns tímidos choros têm sido o máximo alcançado.

Não bastando tudo o que já embola e bagunça a cabeça, sofro da síndrome de-uma-eterna-não-despedida. Em nosso último contato visual, saí me despedindo às pressas, correndo com minhas malas, voltei e nunca mais a vi. Fica sempre a pergunta de, por quê não me despedi como se fosse a última vez que nos veríamos? Porque antes das perdas sofremos de outra síndrome, a de-que-todos-que-amamos-não-morrem-de-repente. Uma ingênua descrença de que tudo pode acontecer, a qualquer momento, pro bem ou pro mal.

Sinto remorso, por uma não despedida. Por uma sensação de situação mal-resolvida. Penso em tantas coisas que poderiam ter sido ditas ou feitas. Penso que poderia ter havido um beijo, um abraço demorado, um gesto qualquer que selasse e marcasse como um adeus.

De tudo ficou o remorso eterno. A sensação de que, algumas vezes, voltarei pra casa e tudo estará como deixado. Existe uma descrença na situação, talvez por essa não-despedida. Mas qual preço pagaria por ter essa despedida? O mesmo que meu pai, irmão, tias pagaram ao vê-la morrer e tentarem desesperados "ressuscitá-la"?

Remorso, dúvida, incertezas... tudo se escrotizando, a cada dia, mais e mais aqui dentro. Mais uma semana começando, remoendo, revirando.

Simone e Zélia Duncan - Jura Secreta

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Sobre beijos e intolerância

Engraçado como um beijo causa tanto incômodo. Enquanto isso, cenas de violência, nudez e sexo passaram desapercebidas pela crítica do espectador de Em Família.

Desde sua estreia eu já vi: 
- uma personagem ser estuprada; 
- outro, espancado e (quase) enterrado vivo pelo galã da trama; 
- uma outra que humilha o pai, incentiva a filha a cair na putaria e passa o dia com um copo na mão;
- e por último, uma personagem que é suspeita de matar a empregada para ficar com a filha e agora descobriu que a criança é fruto de uma pulada de cerca do ex-marido (que ela largou pra ficar com o então pai da menina).

Com tantas polêmicas que me pareceram mais incômodas e absurdas, por quê o casamento (que igual a todos têm um beijo) é a cena mais "desnecessária" para ser exibida em horário nobre?

Há, nesse burburinho inconformado, que precisa de postagens irritadas nas redes sociais, justificativas cristãs por parte de alguns e argumentos intolerantes e exagerados de outros, todas as formas de preconceito possíveis.

Alguns comentários vêm até precedidos de um "não tenho nada contra...", ou "tenho até amigos que são..." para tentar amenizar, disfarçar, mas apenas escancarando e evidenciando, sem querer querendo, o preconceito em se assumir um preconceito.

Não tragam os trechos bíblicos como explicação, porque isso não serve de base para nenhum debate, ou de argumento para se justificar algo. Mas mesmo se insistirem em tornar a conversa mais religiosa, lembrem-se dos trechos do livro sagrado em que se fala do não-julgamento ao próximo, do amor e do respeito ao outro e que Deus será quem irá julgar a cada um conforme seus atos.

Não digam, os mais puritanos, que todo esse alarde é em defesa das crianças. Assim como aconteceu com a nossa geração em relação a anterior, nossos filhos, sobrinhos, netos e afilhados saberão entender e lidar muito melhor com as diferenças. E não será porque a rede Globo desvirtua e destrói a família, mas sim porque eles terão uma capacidade superior de entendimento do mundo.

Para essa geração será imprescindível perceber que há outras formas de amar, constituir uma família e, principalmente, respeitar o outro. 


Marisa Monte - Beija Eu