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quarta-feira, 20 de março de 2013

Lembranças de Setenta Agostos

Brasília, 31 de Agosto de 2012

Ontem, em uma rápida viagem com minha mãe e minha vó, vivi um daqueles momentos que a vida nos proporciona para que jamais nos esqueçamos. Apesar de fragilizada e acreditar estar debilitada, pude curar os problemas de minha vó apenas com uma alta dose de atenção e longas conversas. 
  
Sem tantas dores, tremores nas mãos, reclamações ou qualquer uma das queixas tão comuns nos últimos tempos, a vi como não via há anos. Seus olhos estavam tão vivos e reluzentes que lembrei-me da mulher que conheci anos atrás. Lembrou-se de toda a sua vida, da infância, dos irmãos, dos sobrinhos espalhados por todos os cantos do Brasil e de outras histórias familiares.
  
A partir de um retrato, lembrou-se do dia em que conheceu meu avô em um baile, ainda que ele não dançasse. Por um instante as mágoas sumiram e detalhou a beleza e juventude do meu velho. Mas ela reforçou também seus atributos em seu belo corpo e a vaidade de uma jovem adolescente. As histórias foram sendo contadas pouco a pouco e quando menos vimos haviam se passado sete décadas.
  
No caminho, imaginou-se dona de uma bela fazenda à beira da estrada com um lago rodeado por palmeiras. Entrando na brincadeira, pedi que ela me desse já que além de neto sou seu afilhado. Sorrindo, ela concordou em me dar o imóvel que possuía em seus sonhos. Como era bom ver que ela tinha retomado os sonhos. Pensou na vida, caso tudo tivesse sido diferente. Pensou também no quanto poderia ter deixado mais para os seus, mas no fim contentou-se com tudo o que pôde fazer.
  
Sorriu, gargalhou, se divertiu, se irritou com os caminhões nos fechando na estrada e também reclamou um pouco. Se emocionou com suas roseiras no jardim, todas floridas como se estivessem competindo com os hibiscos. Lançou beijos para as flores e as tocou com delicadeza, retribuindo carinhosamente por enfeitarem seu quintal. Havia mais vida naquelas flores, naquela estrada, naquele dia, naquela alma.

(Descanse em paz vó, madrinha, amiga...)


Maria Gadú - Oração ao Tempo 

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