Fabrício Carpinejar
A dor não pede compreensão, pede respeito. Não abandonar a cadeira, ficar sentado na posição em que ela é mais aguda.
Vejo homens que não têm coragem de terminar o relacionamento. Que não esclarecem que acabou. Que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado. Saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, acontece com todo mundo.
Encostam a porta de sua casa (não trancam) e partem para outra vida.
Não é melhor assim. Não tem como abafar os ruídos do choro. O corpo não é um travesseiro. Seca com os soluços.
Não é melhor assim. Haverá gritos, disputa, danos. É como beber um remédio, sem empurrar a colher para longe ou moldar cara feia. É engolir o gosto ruim da boca, agüentar o desgosto da falta do beijo.
Será idiota recitar Vinicius de Moraes: “que seja infinito enquanto dure”. A despedida não é lugar para poesia.
Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso. Haverá sua mulher batendo em seu peito, perguntando: “Por que fez isso comigo?”
Haverá a indignação como última esperança.
Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e amparar.
Vejo homens que somente encontram força para seduzir uma mulher, não para se distanciar dela.
Para iniciar uma história, não têm medo, não têm receio de falar.
Para encerrar, são evasivos, oblíquos, falsos. Mandam mensageiros.
Não recolhem seus pertences na hora. Voltarão um novo dia para buscar suas coisas.
Não toleram resolver o desespero e datar as lembranças. Guardam a risada histérica para o domingo longe dali.
Mas estar ali é o que o homem precisa. Não virar as costas. Fechar uma história é manter a dignidade de um rosto levantado, ouvindo o que não se quer escutar. Espantado com o que se tornou para aquela mulher que amava. Porque aquilo que ela diz também é verdade. Mesmo que seja desonesto.
Desgraçadamente, há mais desertores do que homens no mundo.
Deveriam olhar fora de si. Observar, por exemplo, a dor de uma mãe que perde seu filho no parto.
O médico colocará o filho morto no colo materno. É cruel e – ao mesmo tempo – necessário. Para que compreenda que ele morreu. Para que ela o veja e desista de procurá-lo. Para que ela perceba que os nove meses não foram invenção, que a gestação não foi loucura. Que o pequeno realmente existiu, que as contrações realmente existiram, que ela tentou trazê-lo à tona. Que possa se afastar da promessa de uma vida, imaginar seu cheiro e batizar seu rosto por um instante.
Descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz. Ainda que a dor arrebente, ainda é melhor assim.
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domingo, 5 de julho de 2015
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Momento Fabrício Carpinejar
RETRATO FALADO DO MENTIROSO
Como sabemos que o homem está mentindo?
- O mentiroso é detalhista, responde aquilo que não foi perguntado, está tentando se convencer da história, perde-se em pormenores e curvas desnecessárias.
- O mentiroso fica romântico fora de hora, generoso de repente.
- O mentiroso baixa os olhos de vergonha e fala para os lados.
- O mentiroso somente desmente uma história quando há uma mentira maior para esconder.
- O mentiroso pede desculpa fácil (não se importa mesmo com aquilo que diz).
- O mentiroso ri de nervoso, ri antes da piada.
- O mentiroso é ambicioso: deseja uma mentira maior do que a anterior. Ele tropeça em seu próprio sucesso.
- O mentiroso nunca é evasivo, sempre tem certezas.
- O mentiroso se julga melhor do que os outros. Pensa que sairá impune, que ninguém é capaz de descobrir suas artimanhas.
- O mentiroso inventa tudo (que é um erro, o certo é contar algo falso a partir de algo verdadeiro).
- O mentiroso, tão preocupado consigo, não conversa. É um monólogo.
- O mentiroso sempre está se favorecendo com a trama, ou é a vítima ou é o azarado. Não há mentira que prejudique seu autor.
- O mentiroso acredita que escutar é acreditar e vai falando sem questionar nada.
- O mentiroso põe a culpa pelos atrasos nos amigos. Mas esquece de avisar os amigos.
E a mulher? O que ela faz?
Quando a mulher mente, conta a verdade. Como se fosse uma brincadeira.
Fonte: http://carpinejar.blogspot.com
Como sabemos que o homem está mentindo?
- O mentiroso é detalhista, responde aquilo que não foi perguntado, está tentando se convencer da história, perde-se em pormenores e curvas desnecessárias.
- O mentiroso fica romântico fora de hora, generoso de repente.
- O mentiroso baixa os olhos de vergonha e fala para os lados.
- O mentiroso somente desmente uma história quando há uma mentira maior para esconder.
- O mentiroso pede desculpa fácil (não se importa mesmo com aquilo que diz).
- O mentiroso ri de nervoso, ri antes da piada.
- O mentiroso é ambicioso: deseja uma mentira maior do que a anterior. Ele tropeça em seu próprio sucesso.
- O mentiroso nunca é evasivo, sempre tem certezas.
- O mentiroso se julga melhor do que os outros. Pensa que sairá impune, que ninguém é capaz de descobrir suas artimanhas.
- O mentiroso inventa tudo (que é um erro, o certo é contar algo falso a partir de algo verdadeiro).
- O mentiroso, tão preocupado consigo, não conversa. É um monólogo.
- O mentiroso sempre está se favorecendo com a trama, ou é a vítima ou é o azarado. Não há mentira que prejudique seu autor.
- O mentiroso acredita que escutar é acreditar e vai falando sem questionar nada.
- O mentiroso põe a culpa pelos atrasos nos amigos. Mas esquece de avisar os amigos.
E a mulher? O que ela faz?
Quando a mulher mente, conta a verdade. Como se fosse uma brincadeira.
Fonte: http://carpinejar.blogspot.com
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Momento Fabrício Carpinejar
Poemas do livro Cinco Marias
(Fabrício Carpinejar)
Chega um momento
em que somos aves na noite,
pura plumagem, dormindo de pé,
com a cabeça encolhida.
O que tanto zelamos
na fileira dos dias,
o que tanto brigamos
para guardar, de repente
não presta mais: jornais, retratos,
poemas, posteridade.
Minha bagagem
é a roupa do corpo.
...
Eu fui uma mulher marítima,
as rugas chegaram antes.
Eu fui uma mulher marítima,
paisagem e pêssego,
uma faísca
entre a corda do barco
e a rocha.
Eu fui o que não sou.
Depois que inventaram o inconsciente,
a verdade fica sempre para depois.
...
A mãe orquestrava a horta.
Reservava espaço para ervas daninhas
e seu alfabeto de moscas.
Não mexia na ordem de Deus.
Louvada seja
a esmola de uma hortaliça.
...
Acerto o relógio pelo sol.
Percorro as dez quadras
de meu mundo.
As ruas são conhecidas
e me atalham.
...
Meu medo se interessa por qualquer ruído.
Hoje quero alguém para conversar enquanto dirijo,
baixar os faróis em estrada litorânea,
enxergar pelas mãos.
...
Fazer as coisas pela metade
é minha maneira de terminá-las.
Os poemas aqui publicados integram o livro inédito Cinco Marias.
fonte: www.carpinejar.com.br
(Fabrício Carpinejar)
Chega um momento
em que somos aves na noite,
pura plumagem, dormindo de pé,
com a cabeça encolhida.
O que tanto zelamos
na fileira dos dias,
o que tanto brigamos
para guardar, de repente
não presta mais: jornais, retratos,
poemas, posteridade.
Minha bagagem
é a roupa do corpo.
...
Eu fui uma mulher marítima,
as rugas chegaram antes.
Eu fui uma mulher marítima,
paisagem e pêssego,
uma faísca
entre a corda do barco
e a rocha.
Eu fui o que não sou.
Depois que inventaram o inconsciente,
a verdade fica sempre para depois.
...
A mãe orquestrava a horta.
Reservava espaço para ervas daninhas
e seu alfabeto de moscas.
Não mexia na ordem de Deus.
Louvada seja
a esmola de uma hortaliça.
...
Acerto o relógio pelo sol.
Percorro as dez quadras
de meu mundo.
As ruas são conhecidas
e me atalham.
...
Meu medo se interessa por qualquer ruído.
Hoje quero alguém para conversar enquanto dirijo,
baixar os faróis em estrada litorânea,
enxergar pelas mãos.
...
Fazer as coisas pela metade
é minha maneira de terminá-las.
Os poemas aqui publicados integram o livro inédito Cinco Marias.
fonte: www.carpinejar.com.br
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Momento Carpinejar
Ouvidos de orvalho
(Fabrício Carpinejar)
Na eternidade, ninguém se julga eterno.
Aqui, nesta estada, penso que vou durar
além dos meus anos, que terei
outra chance de reaver o que não fiz.
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:
serei esquecido quando redimido.
Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.
O esquecimento jamais devolve seus reféns.
A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.
O fogo é uma noz que não se quebra com as mãos.
A voz vem do fogo, que somente cresce se arremessado.
Não há como recuar depois de arder alto.
Fui lançado cedo demais às cinzas.
Somos reacionários no trajeto de volta.
Quando estava indo ao teu encontro,
arrisquei atalhos e travessas desconhecidas.
Acreditei que poderia sair pela entrada.
Ao retornar, não improviso.
Minha conversão é pelo medo,
orando de joelhos diante do revólver,
sem volver aos lados,
na dúvida se é de brinquedo ou de verdade.
O vento faz curva. Não mexo nos bolsos,
na pasta e na consciência,
nenhum gesto brusco de guitarra,
a ciência de uma mira
e o gatilho rodando próximo
do tambor dos dentes.
Derramado em Deus, junto meu desperdício.
Vou te extraviando no ato de nomear.
Melhor seria recuar no silêncio.
Cantamos em coro como animais da escureza.
Os cílios não germinaram.
Falta plantio em nossas bocas, vegetação nas unhas,
estampas e ervas no peito.
Suplicamos graves e agudos, espasmos e espanto,
compondo esquina com a noite.
Cantar não é desabafo,
mas puxar os sinos
além do nosso peso,
acordando a cúpula de pombas.
Somos fumaça e cera,
limo e telha,
névoa e leme.
O inverno nos inventou.
Não importa se te escuto
ou se explodes meus ouvidos de orvalho:
morre aquilo que não posso conversar?
Ficarei isolado e reduzido,
uma fotografia esvaziada de datas.
Os familiares tentarão decifrar quem fui
e o que prosperou do legado.
Haverei de ser um estranho no retrato
de olhos vivos em papel velho.
Escrevo para ser reescrito.
Ando no armazém da neblina, tenso,
sob ameaça do sol.
Masco folhas, provando o ar, a terra lavada.
Depois de morto, tudo pode ser lido.
Vejo degraus até no vôo.
Tua violência é a suavidade.
Não há queda mais funda
do que não ser o escolhido,
amargar o fim da fila,
ser o que fica para depois,
o que enumera os amigos
pelos obituários de jornal,
o que enterra e se retrai no desterro,
esfacela a rosa ao toque
na palidez das pétalas e velas,
vistoriando cada ruga
e infiltração de heras entre as veias,
nunca adulto para compreender.
Não há nada de natural na morte natural.
Divorciar-se do corpo, tremer ao segurar
as pernas, acomodar-se no finito
de uma cama e deitar com o tumulto
que vem de um túmulo vazio.
Poema do livro Biografia de uma árvore
(www.fabriciocarpinejar.com.br)
(Fabrício Carpinejar)
Na eternidade, ninguém se julga eterno.
Aqui, nesta estada, penso que vou durar
além dos meus anos, que terei
outra chance de reaver o que não fiz.
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:
serei esquecido quando redimido.
Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.
O esquecimento jamais devolve seus reféns.
A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.
O fogo é uma noz que não se quebra com as mãos.
A voz vem do fogo, que somente cresce se arremessado.
Não há como recuar depois de arder alto.
Fui lançado cedo demais às cinzas.
Somos reacionários no trajeto de volta.
Quando estava indo ao teu encontro,
arrisquei atalhos e travessas desconhecidas.
Acreditei que poderia sair pela entrada.
Ao retornar, não improviso.
Minha conversão é pelo medo,
orando de joelhos diante do revólver,
sem volver aos lados,
na dúvida se é de brinquedo ou de verdade.
O vento faz curva. Não mexo nos bolsos,
na pasta e na consciência,
nenhum gesto brusco de guitarra,
a ciência de uma mira
e o gatilho rodando próximo
do tambor dos dentes.
Derramado em Deus, junto meu desperdício.
Vou te extraviando no ato de nomear.
Melhor seria recuar no silêncio.
Cantamos em coro como animais da escureza.
Os cílios não germinaram.
Falta plantio em nossas bocas, vegetação nas unhas,
estampas e ervas no peito.
Suplicamos graves e agudos, espasmos e espanto,
compondo esquina com a noite.
Cantar não é desabafo,
mas puxar os sinos
além do nosso peso,
acordando a cúpula de pombas.
Somos fumaça e cera,
limo e telha,
névoa e leme.
O inverno nos inventou.
Não importa se te escuto
ou se explodes meus ouvidos de orvalho:
morre aquilo que não posso conversar?
Ficarei isolado e reduzido,
uma fotografia esvaziada de datas.
Os familiares tentarão decifrar quem fui
e o que prosperou do legado.
Haverei de ser um estranho no retrato
de olhos vivos em papel velho.
Escrevo para ser reescrito.
Ando no armazém da neblina, tenso,
sob ameaça do sol.
Masco folhas, provando o ar, a terra lavada.
Depois de morto, tudo pode ser lido.
Vejo degraus até no vôo.
Tua violência é a suavidade.
Não há queda mais funda
do que não ser o escolhido,
amargar o fim da fila,
ser o que fica para depois,
o que enumera os amigos
pelos obituários de jornal,
o que enterra e se retrai no desterro,
esfacela a rosa ao toque
na palidez das pétalas e velas,
vistoriando cada ruga
e infiltração de heras entre as veias,
nunca adulto para compreender.
Não há nada de natural na morte natural.
Divorciar-se do corpo, tremer ao segurar
as pernas, acomodar-se no finito
de uma cama e deitar com o tumulto
que vem de um túmulo vazio.
Poema do livro Biografia de uma árvore
(www.fabriciocarpinejar.com.br)
domingo, 29 de agosto de 2010
Momento Carpinejar
Décima elegia
(Fabrício Carpinejar)
Só na velhice o vento não ressuscita.
A água dos olhos entra na surdez da neve
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.
O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.
Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.
O exílio é na carne.
Esmorece o esforço de conciliar a verdade
com a realidade.
A neblina nos enterra vivos.
Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,
o riso atravessa o osso.
Deciframos a descendência do vinho.
Os segredos não são contados
porque ninguém quer ouvi-los.
O lume raso do aposento é apanhado pela ave
a pousar o bule das penas na estante do mar.
Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.
O suspiro é mais audível que o clamor.
Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.
Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.
O nome passa a me carregar.
É penoso subir os andares da voz,
nos abrigamos no térreo de um assobio.
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.
O ódio esquece sua vingança.
Amamos o que não temos.
Só na velhice digo bom-dia e recebo
a resposta de noite.
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.
Só na velhice quantos sofrem à toa
para narrar em detalhes seu sofrimento.
O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.
Sustentamos o atrito com o céu, plagiando
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.
Só na velhice há o receio em folhear edições raras
e rasgar uma página gasta do manuseio.
Embalo a espuma como um neto.
Confundimos a ordem do sinal da cruz.
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.
Só na velhice a forma está na força do sopro.
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre
faleceu duas vezes.
O medo é de dormir na luz.
Lamento ter sido indiscreto
com minha dor e discreto com minha alegria.
Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite
após arrebentar-se em música.
Creio na cerração das manhãs.
Conforto-me em ser apenas homem.
Envelheci,
tenho muita infância pela frente.
Poema do livro Terceira Sede
(Fabrício Carpinejar)
Só na velhice o vento não ressuscita.
A água dos olhos entra na surdez da neve
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.
O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.
Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.
O exílio é na carne.
Esmorece o esforço de conciliar a verdade
com a realidade.
A neblina nos enterra vivos.
Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,
o riso atravessa o osso.
Deciframos a descendência do vinho.
Os segredos não são contados
porque ninguém quer ouvi-los.
O lume raso do aposento é apanhado pela ave
a pousar o bule das penas na estante do mar.
Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.
O suspiro é mais audível que o clamor.
Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.
Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.
O nome passa a me carregar.
É penoso subir os andares da voz,
nos abrigamos no térreo de um assobio.
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.
O ódio esquece sua vingança.
Amamos o que não temos.
Só na velhice digo bom-dia e recebo
a resposta de noite.
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.
Só na velhice quantos sofrem à toa
para narrar em detalhes seu sofrimento.
O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.
Sustentamos o atrito com o céu, plagiando
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.
Só na velhice há o receio em folhear edições raras
e rasgar uma página gasta do manuseio.
Embalo a espuma como um neto.
Confundimos a ordem do sinal da cruz.
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.
Só na velhice a forma está na força do sopro.
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre
faleceu duas vezes.
O medo é de dormir na luz.
Lamento ter sido indiscreto
com minha dor e discreto com minha alegria.
Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite
após arrebentar-se em música.
Creio na cerração das manhãs.
Conforto-me em ser apenas homem.
Envelheci,
tenho muita infância pela frente.
Poema do livro Terceira Sede
domingo, 18 de julho de 2010
Momento Carpinejar
Poemas de Um Terno de Pássaros ao Sul
(Fabrício Carpinejar)
Fragmento I
Pouco crescemos
no que aprendemos,
o sabor
de um livro antigo
está em jovem
esquecê-lo.
Eu alterei
a ordem do teu ódio.
Fiz fretes de obras
na estante.
Mudava os títulos
de endereços
em tua biblioteca
e rastreavas, ensandecido,
aquele morto encadernado
que ressuscitou
quando havias enterrado
a leitura,
aquele coração insistente,
deixando atrás uma cova
aberta na coleção.
Sou também um livro
que levantou
dos teus olhos deitados.
Em tudo o que riscavas,
queria um testamento.
Assim recolhia os insetos
de tua matança,
o alfabeto abatido
nas margens.
Folheava os textos,
contornando as pedras
de tuas anotações.
Retraído,
como um arquipélago
nas fronteiras azuis.
Desnorteado,
como um cão
entre a velocidade
e os carros.
Descia o barranco úmido
de tua letra,
premeditando
os tropeços.
Sublinhavas de caneta,
visceral,
impaciente com o orvalho,
a fúria em devorar as idéias,
cortar as linhas em estacas da cruz,
marcá-las com a estada.
Tua pontuação delgada,
um oceano
na fruta branca.
Pretendias impressionar
o futuro com a precocidade.
A mãe remava
em tua devastação,
percorria os parágrafos a lápis.
O grafite dela, fino,
uma agulha cerzindo
a moldura marfim.
Calma e cordata,
sentava no meio-fio da tinta,
descansando a fogueira
das folhas e grilos.
Cheguei tarde
para a ceia.
Preparava o jantar
com as sobras do almoço.
Lia o que lias,
lia o que a mãe lia.
Era o último a sair da luz.
fonte: www.carpinejar.com.br
(Fabrício Carpinejar)
Fragmento I
Pouco crescemos
no que aprendemos,
o sabor
de um livro antigo
está em jovem
esquecê-lo.
Eu alterei
a ordem do teu ódio.
Fiz fretes de obras
na estante.
Mudava os títulos
de endereços
em tua biblioteca
e rastreavas, ensandecido,
aquele morto encadernado
que ressuscitou
quando havias enterrado
a leitura,
aquele coração insistente,
deixando atrás uma cova
aberta na coleção.
Sou também um livro
que levantou
dos teus olhos deitados.
Em tudo o que riscavas,
queria um testamento.
Assim recolhia os insetos
de tua matança,
o alfabeto abatido
nas margens.
Folheava os textos,
contornando as pedras
de tuas anotações.
Retraído,
como um arquipélago
nas fronteiras azuis.
Desnorteado,
como um cão
entre a velocidade
e os carros.
Descia o barranco úmido
de tua letra,
premeditando
os tropeços.
Sublinhavas de caneta,
visceral,
impaciente com o orvalho,
a fúria em devorar as idéias,
cortar as linhas em estacas da cruz,
marcá-las com a estada.
Tua pontuação delgada,
um oceano
na fruta branca.
Pretendias impressionar
o futuro com a precocidade.
A mãe remava
em tua devastação,
percorria os parágrafos a lápis.
O grafite dela, fino,
uma agulha cerzindo
a moldura marfim.
Calma e cordata,
sentava no meio-fio da tinta,
descansando a fogueira
das folhas e grilos.
Cheguei tarde
para a ceia.
Preparava o jantar
com as sobras do almoço.
Lia o que lias,
lia o que a mãe lia.
Era o último a sair da luz.
fonte: www.carpinejar.com.br
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