Aviso!

Proibida a reprodução ou uso dos textos do autor do blog sem a sua prévia autorização.
Mostrando postagens com marcador Família. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Família. Mostrar todas as postagens

sábado, 12 de março de 2011

A vó que escolhi pra mim

Segundo o espiritismo, antes de virmos para cada nova vida fazemos nossas escolhas (de um modo geral, respeitando os mais diversos casos). Optamos por pessoas e situações com as quais iremos nos deparar para que possamos alcançar, ou caminhar rumo, a evolução espiritual. Crendo nisso sei que fiz a melhor escolha no quesito família e amigos. Mas de longe minha avó paterna é uma das figuras mais fantásticas que habitam no meu universo.

Ativa, falante, religiosa ela se esquece dos seus 80 e poucos anos e quase sempre faz suas estripulias. Ela é uma daquelas pessoas de sentimentos transbordando. Lágrimas e sorrisos estão sempre prontos para brotarem de seu rosto marcado pelo tempo e pelas histórias. Geniosa, teimosa, mas que sabe reconhecer erros e pedir perdão como poucos fazem (me incluindo entre os muitos que não fazem).

A última peça pregada pela mocinha rendeu 40 dias de cama. Um martírio para uma criatura que não fica parada nem dormindo. Ainda assim continua com suas obrigações religiosas, mantendo de pé o pilar religioso da nossa família. Mulher de fé e força, que voltou a estudar no auge dos 70 anos, mas que também chora e lamenta por ultimamente não estar na cozinha ou saindo de casa.

Ultimamente tenho tentado manter o bom humor e alto astral dela. Durante o passeio na cadeira de rodas do quarto para o banheiro roubo um beijo, para a sua raiva e alegria. Ou mesmo quando a ajudo a responder suas palavras cruzadas, enquanto fico ao seu lado dizendo besteiras. E no mísero esforço que faço para colocá-la na cadeira, conduzí-la pela casa e devolvê-la pro repouso ela fica com pena de mim. Dá pra acreditar?

Enfim, essa é a figuraça da minha avó. Por motivos diversos quis o mundo superior que ela tirasse merecidas férias dos afazeres do lar e percebesse que não é tão jovem quanto antes. Mas se bem a conheço, logo ela teima e começa a correr da gente casa afora.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Nossa vez

No andar superior do aeroporto fiquei observando os aviões. Distraído perdi a hora e você me ligou pra saber onde eu estava. Você tão feliz, tão radiante que nem precisou me contar suas histórias pra que eu pudesse entender o quanto aquela viagem tinha lhe feito bem. Seu abraço e seu olhar já me disseram tudo.

Sua ansiedade em me contar tudo te deixava com um alto nível de bobagem. Mas totalmente compreensível por tudo que viveu nos útimos três dias. Sua mãe nos olhou na cozinha conversando, assustada por me ver ali aquela hora. Logo era eu e ela que conversávamos e ríamos, mas me despedi e a deixei dormir.

Foi tão bom olhar pra você e ouvir suas histórias por horas e horas. Quantos cigarros você fumou ontem? Acho que por tabela eu fumei uns quatro. Nossa! Fazia tanto tempo que a gente não sentava e falava da vida, ria, lembrava do passado e pensava no nosso futuro. Ontem eu percebi que a felicidade nos deixa mais belos quando observei seu rosto.

E agora, como viver com tanta felicidade? Agora é a nossa vez de ser feliz, você me disse (como que fazendo uma promessa) na porta da minha casa.

Adriana Calcanhoto - Mais feliz

terça-feira, 27 de abril de 2010

Enterrando meus mortos II

Estava angustiado e andando de um lado para o outro. Enquanto minha avó disfarçava o choro, meu avô estava sentado, olhando para o horizonte e com a cabeça distante. Até que as outras duas cachorras latiram, avisando que minha tia havia chegado. Era hora de buscar nossa cachorra para enterrá-la.

Eu e minha tia fomos, relativamente bem. Conversamos um pouco e logo chegamos até a clínica. Subimos a longa escadaria e lá em cima um funcionário magro, alto e de expressão fechada nos recebeu. Assim que soube o que procurávamos se mostrou sereno e compreensivo com a nossa perda. A feição já era outra.

De lá de dentro ele surgiu com a Husky nos braços. Foi difícil ver, por mais que soubesse. Meus olhos logo se encheram de lágrima e me adiantei aos dois e fui descendo as escadas. Pensei em colocá-la no porta-malas, mas minha tia logo se adiantou e disse, "ela vai lá dentro, no banco". Entendi como seria respeitoso e carinhoso esse ato. Abri o carro, colocamos alguns papelões no banco de trás e a forramos com o lençol, o mesmo que usamos para carregá-la até o carro para trazê-la até o veterinário.

Lúcia (minha tia) foi até a recepção para pagar as despesas do tratamento enquanto fiquei no carro com a cachorra. Não deu pra segurar por muito tempo. Chorei, chorei e novamente a acariciei como fiz durante sua agonia. Mas dessa vez ela não respirava, não olhava para o nada, ou mesmo para mim. A língua, já roxa, estava com a ponta para fora da boca no lado esquerdo. Não podia duvidar que ela estiva morta.

Peguei o telefone e liguei para a minha avó, pedi que ela avisasse ao meu avô que a "cova" estava pequena e que ele aumentasse o espaço. Um dos motivos da minha preocupação era que o corpo da cachorra começava a ficar rígido. As patas dianteiras não podiam mais ser dobradas e as traseiras possuíam um mínimo de flexibilidade. Ao fazer o pedido minha voz engasgou, mas respirei e terminei a conversa.

Tentei me recompor, mas meus olhos já estavam tão vermelhos que era impossível negar o choro. Chorei mais um pouco e enxuguei meu rosto. Cobri o quanto pude o corpo branco e peludo. Mesmo sem vida ela ainda era uma cachorra linda, talvez a mais bonita que eu já tenha visto. Lúcia voltou e parou por alguns segundos a olhando. Entrou, ligou o carro e fomos embora. Calados, ouvia apenas o choro quase silencioso da minha tia. Enquanto uma mão segurava o volante, outra se ocupava em secar lágrimas que escorriam pelo rosto. Quieto, apenas mantive o silêncio.

Perto de casa, minha tia achava estar errando o caminho. Um pouco desnorteada com o que estava acontecendo, mas a avisei de que estávamos no caminho certo. Entramos pela área verde, onde a "cova" estava aberta, mas meu avô tentava aumentá-la. A dificuldade se dava pelo enorme coqueiro de dendê, a cerca de dois a três metros, com suas raízes dificultando a escavação. Peguei a enchada e fui ajudá-lo, enquanto isso minha vó vinha para olhar pela última vez sua cachorra.

Enquanto ela e a Lúcia choravam eu tentava (apenas tentava) não pensar muito no que estava fazendo. Peguei a pá e retirei a terra de dentro do buraco. Muita terra pra um buraco relativamente pequeno. Logo minha vó me chama e linda e inocentemente me pergunta, "Meu filho, ela não está respirando? Acho que eu a vi respirando!". Sorri e com a mão em seu ombro expliquei que infelizmente a cachorra não respirava mais.

Decepcionada ela se afastou do carro, ainda enxugando o rosto e repetindo, "coitada, ela sofreu tanto...". E de fato, sofreu muito. Seus uivos de dor e desespero ainda ecoavam na minha cabeça, mas de alguma forma a morte dela me soava mais como um alívio do que como uma perda. Talvez por isso eu tenha chorado pouco. Minha tia colocou o carro próximo ao local onde enterraríamos a cachorra. Eu e meu avô tiramos o corpo do banco do carro com a ajuda do lençol e a colocamos na cova. Quando a terra começou a cair sobre seu corpo minha vó logo nos deu as costas e apressou o passo para dentro de casa.

Respirei fundo e não olhei para dentro do buraco quando puxei a terra que cobriria seu rosto. Terminei, peguei o carro e coloquei na garagem. Minha vó abriu o portão para mim, enquanto tentava não mostrar o rosto lavado com tanto choro. As outras cachorras me cheiravam e pareciam entender tudo o que se passava. A minha cachorra (Labrador) ficou quieta, apenas me acompanhando. Lavei minhas mãos e me abaixei para "falar" com ela. Seus olhos estavam me olhando com uma certa dose de tristeza e estranhamente ela não fez o alarde de sempre. Não pulou em cima de mim, não me lambeu, não mordeu minha mão, apenas sentou-se e balançou o rabo enquanto eu a acariciava.

Pensei no dia que ela morrer, mas logo mudei o pensamento para não sofrer por antecipação. Tudo no seu tempo, sem antecipar ou precipitar nada. Acho que a lição dos últimos meses tem sido essa. E os mortos dentro de mim? Estavam momentaneamente enterrados.

Tim Maia - Ela partiu

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Enterrando meus mortos

O dia amanheceu lindo, como tem sido nos últimos dias, mas talvez um pouco mais frio. É impressionante como vazios rapidamente representam um grande espaço físico e sentimental nas nossas vidas. Com a falta dela não seria diferente. Ela morreu, pelo choro constante da minha vó não era difícil perceber que isso de fato tinha acontecido.

Ontem pela noite estive ao lado da nossa Husky Siberiano (de cerca de 13 anos) por todo tempo. Quando me afastava, em busca de algum telefone, ou algo para ajudá-la, os gritos começavam a ser ouvidos de longe. Foi cruel, desumano, vê-la sentir tanta dor e não ter o que fazer. Mas não podia apenas esperar que ela passasse a noite deitada sofrendo até a morte.

Sim, cogitamos o sacrifício, mas minha vó abominou a ideia e disse que se fosse preciso passaria dias e noites com ela até que ela morresse, mas que não a sacrificássemos. Os belos olhos azuis claros (tão claros que estavam próximos do branco) me olhavam a implorar por um alívio. Pediam socorro de qualquer maneira.

De repente um uivo estrondoso e longo e ela vomitou algo escuro. Sangue, ou algo misturado a ele. O desespero aumentou. Ver o preto em contraste com o pêlo branco era algo que não podíamos ignorar, mesmo que ousássemos fazer isso. Entre telefonemas consegui achar o número do veterinário, já que em uma cidade com 120 mil habitantes não existe um que atenda 24hs. Depois de termos feito uma ronda em busca de algum lugar para levá-la.

O médico não podia atendê-la, mas nos indicou uma clínica. Retirando o que disse há pouco, havia um consultório veterinário que atendia 24hs. Corremos para lá sob a recomendação da minha vó de que não sacrificássemos a nossa cadela. Dessa vez era eu quem dirigia, sob a supervisão do meu pai. Sem carteira, sem celular, corri o quanto pude, tomando cuidado com o sacolejo dentro do carro.

Ajudei a levá-la, junto com o funcionário da clínica, até o consultório. Soro, medicamentos... agora era esperar. Todo o atendimento feito. Todas as preces realizadas. Ela uivou mais uma vez, mas agora doeu mais e foi bem mais alto do que todas as outras vezes. Seu olhar não tinha mais foco, inconsciente com tanta dor ela já não sabia e nem sentia ao certo o que se passava.

Tentando segurar o choro fiquei ali, acariciando sua cabeça. Do jeito que só eu fazia, e sabia. Mas era difícil. Sabia que ela morreria, por mais que estivesse ali. E cada carícia era dada como se fosse a última, e de fato foi. A respiração era ofegante, a boca e o focinho estavam secos. Saí do consultório com uma pequena ponta de esperança de que pudesse vê-la hoje pela manhã, mas acordei com o telefonema avisando da sua morte.

Seu coração parou e o meu disparou. A partir de hoje não haverá mais seus uivos de alegria. Seus pulos, seus pêlos, seu jeito. Enfim, morrer também pode ser um alívio quando se está sofrendo e morrendo aos poucos. Saber que ela morreu foi aliviante, acima de tudo. Foram lágrimas tristemente aliviadas. Agora, vou descer e ir até a área verde para ajudar meu avô a enterrá-la. Não vai ser fácil, como nunca foi com os outros cachorros que tivemos, mas foi-se o tempo de facilidades.

Tornar-se homem, adulto, implica em níveis maiores de dificuldade na vida. Foi então que tomei consciência de que ainda tenho muitos mortos dentro de mim para enterrar.

Coldplay - Fix you


sexta-feira, 26 de março de 2010

De volta ao lar!

A gente só precisa de algum tempo, dias ou semanas longe da família pra comecer a entender a importância dela na nossa vida. Um rotina mudada de um dia para o outro e que é sentida facilmente. Estes pouco mais de 15 dias foram de casa muito vazia e silenciosa. O que não faz parte da rotina da minha.

Ironicamente, o dia de ontem (25) amanheceu frio e nublado. O sol timidamente fez algumas aparições e ventava muito. Com a chegada da tarde a meteorologia também ganhou novas previsões. Conforme minha família chegava mais perto do lar, o sol e o calor aumentavam. Não demorou muito o sol brilhava forte e a casa se enchia de gente, sons e abraços.

Até a cachorra (desanimada e sem comer direito nos últimos dias) balançou seu rabo com mais vigor, seguido por seu rebolado único, ao ver meus pais e meu irmão entrando pelo portão amarelo e longo. Todos recepcionados por minha vó contente e com saudades dos espirros escandalosos da minha mãe, da barulheira e da movimentação que todos fazemos.

Minha mãe dizia o quanto me queria por perto, ao seu lado. Quase chorando, como se jamais fosse me ver novamente. Sorrindo expus tudo o que queria e sentia, a contra gosto ela parece ter entendido meus anseios, mesmo não aceitando. Mudou de assunto e conversamos sobre a viagem e as coisas engraçadas que só acontecem com ela. Seguidas por aquela gargalhada gostosa, que ninguém além dela sabe dar, a casa toda ria junto.

Meu pai já largava as malas e tocava seu bandolim casa afora. Como exorcizando o vazio e o silêncio. Com seu jeito sério perguntou como eu estava. Ao mesmo tempo em que o seu olhar também queria me dizer as mesmas coisas que minha mãe havia me pedido. Mas seu jeito comedido esperaria que eu chegasse até ele e tratasse do assunto, para que só então desse a sua opinião.

Meu irmão, agitado, chegou fazendo perguntas sobre o seu filho e quase ignorando que passamos este tempo longe. Mas voltou diferente. Nossos diálogos estavam mais afetivos, porém ainda diretos e um pouco distantes. Ele também deve estar cheio de questionamentos quanto aos meus planos. Só que essas perguntas ele fará para nossa mãe, se eu o bem conheço (e conheço).

Com o passar da tarde, e tudo de volta a normalidade, o tempo retomou suas nuvens carregadas e escuras. Uma chuva leve e constante lavou e levou os resquícios daquela saudade quinzenal. Histórias, risadas, gargalhadas e bronzes enfeitaram a casa desde então. Família, tudo isso e mais um pouco.

Agora a casa era, novamente, um lar.

Simone e Zélia Duncan - Tô voltando