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quarta-feira, 1 de julho de 2015

Partidas

O jovem cantor sertanejo comoveu milhões com sua morte prematura, causada por um acidente de carro. Mas hoje relato a perda de uma jovem que, simplesmente, "adormeceu" no último fim de semana.

É sempre estranho ver gente jovem demais, alegre demais, boa demais morrer. Como se a morte precisasse de desculpas ou critérios para fazer valer.

Por que não nos acostumamos com isso?

Taí uma coisa pra qual nem sempre somos preparados. Morrer, diferente do nascer, não tem gestação. Diferente da vida, ela não precisa de nada para acontecer.

Enquanto não sabemos lidar, aceitar ou entender que a morte faz parte da vida, que possamos ao menos ser reconfortados pela lembrança e os bons momentos.

Surpreende ver vidas que se vão no auge, no ápice. Mas talvez seja melhor despedir-se estando pleno. "Morrer estando vivo!", como li certa vez. 

Vibrações - Ela Partiu

domingo, 17 de agosto de 2014

Os urubus logo sobrevoam a carniça

Pra muita gente é ridículo ver pessoas comovidas com a morte do candidato e ex-governador do Pernambuco, Eduardo Campos. Eu me abati. Eu me doí. Eu remoí meus fantasmas mais tenebrosos. A notícia me trouxe alguns nós, alguns entraves inexplicáveis e explicáveis.

Dos inexplicáveis, não posso falar muito. Daquilo que posso dizer, está a dor de reviver perdas inesperadas. O desequilíbrio, a falta de rumo, de prumo, de chão. A espera por uma notícia que desminta a tragédia. Achar que na manhã seguinte, quando se consegue dormir, se perceberá que tudo não passou de um pesadelo.

Esse atordoamento de ver gente jovem demais, feliz demais, boa demais ir cedo é, ironicamente, demais. Não que ele tivesse todas essas virtudes (talvez não tivesse nenhuma ou até mais, não sei), mas me aperta ver tanta gente indo embora com essa impressão de que não era a hora. 

Volto ao meu caso, minha vivência pessoal, para logo me colocar no lugar do outro. A família que perde seu eixo, seu prumo, sua sustentação e não sabe bem por onde recomeçar a juntar seus pedaços. Nesse caso, uma analogia aos destroços do avião, espalhados por dezenas de casas. Leva tempo pra se situar e tomar conhecimento do estrago.

Vi durante esses dias inúmeras piadas prontas sobre causas da morte relacionadas com possíveis atentados e mandandes. Mas isso é apenas a constatação de que tão logo a desgraça seja anunciada os urubus já sobrevoam. É esperado de gente medíocre o tripudio sob a dor alheia com a justificativa política, ou mesmo de que o brasileiro é "criativo". Uma pena tanta criatividade em prol da dor que nos é distante, mas que cedo ou tarde bate à porta de todos.

Quem já recebeu essa ingrata visita se comove. Comigo não foi diferente. Desde quarta uma sensação ruim, lembranças e mais lembranças. Na sexta eu senti, logo cedo, a presença forte da minha mãe e isso me fez não esperar muito do dia. Os detalhes da cozinha, a lembrança de segurar sua mão, alguma frase sempre repetida, o rádio, o som da rua, o relógio, o tempo... faz tempo, mas sempre parece que foi ontem. Acho que foi (outra vez) na quarta. 

Legião Urbana - Love In The Afternoon

domingo, 20 de abril de 2014

Quase Choros

Ao lado da minha cama, ela repousa numa foto. Congelada no tempo, permanece ali do meu lado. Meus olhos decoram cada detalhe, cada ponto dentro da moldura. Enquanto me lembro saudoso como eram os dias ao seu lado. Desesperançoso com aqueles que ainda virão.

O choro fica por um eterno instante, esperando. À mercê da última gota. E esse quase chorar se intercala entre uma prece e uma tristeza. Como aquelas certezas que o tempo se encarrega de trazer, mesmo sabendo que ele nunca levou qualquer ausência pra longe daqui.

Queria poder chorar, mas choro não se vulgariza, não se banaliza. Esse choro entalado, me corrói. Se prende e vai encharcando a alma. Pesando, inchando e prendendo tudo por dentro. Talvez por isso os lamentos sejam tão repetitivos e rotineiros.

Choro não sai, lágrima não cai, grito não sobressai e me fica e dúvida se talvez seja por isso que a mãe não volte.

Vanessa da Mata - Por Causa de Você

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Telefonema aos Mortos

Semanas atrás, no meio da tarde, o telefone tocou e por um segundo pensei em não atender. Antes não tivesse. Do outro lado o homem perguntou pela minha mãe...

Não sei o que aconteceu. Gaguejei antes de avisá-lo, extremamente enfurecido, que ela havia falecido. Não sei se a informação foi indiferente a ele, ou se eu estava abalado demais e não me lembro se ele ao menos se desculpou. Continuou a conversa querendo saber se havia algum pensionista, fiquei ainda mais puto, encerrei a conversa e logo desliguei.

Nunca, desde sua partida, me senti tão desnorteado com essa situação. Não soube o que fazer, mesmo que alguns amigos sempre me digam que fui forte e reagi bem à perda dela, não soube o que fazer.

A sensação estranha foi como se a vida me tivesse ligado para me lembrar da morte. Uma "pegadinha" sem-graça rolou nesse dia. Abriu-se um novo corte, profundo. Acho que a coisa mais sutil e doce que consegui chamá-lo foi de FDP, daqueles ditos de boca cheia.

Não houve choro, de imediato. Revolta, talvez. Como alguém que recobra a consciência e se lembra de TUDO o que se perdeu "apenas" com a morte de uma pessoa. Como se as mágoas e tristezas, dos quase dois anos, ficassem entalados na garganta e de repente saíssem. Mas o choro, esse está por um triz, por uma saudade qualquer.

Engenheiros do Hawaii - Perfeita Simetria

domingo, 2 de março de 2014

(in)Sonia

A grande piada da noite chama-se insônia. A falta de sono, sim. Ela mesma, ou a falta dela. Aliás, chamar não chamei, mas tem quem vem sem nem ser bem quisto.

Mas minha mãe também faz falta, e não sei que nome dou pra isso. Seria também inSonia? A falta da Sonia. Quanto a esta, não adianta chamar, chorar, rezar ou procurar... Ficou só a essência diluída em lágrimas... foi-se.

E sempre me dizem que tem de ser assim. Têm coisas que se vão, são tão não mesmo quando precisamos do sim.

Sobram faltas nessa madrugada longa que vem por aí. Quer dizer, agora ela está bem mais curta. E não tô curtindo isso. Só me restam 2h e pouco de sono (ou quase isso) antes de me ajeitar pro rala...

Bora lá universo, conspira a meu favor. Apaga minha cabeça, minhas tristezas, meus cansaços, minhas ausências, minhas carências, minhas descrenças, minhas noias, minhas lombras, minhas lembranças, minhas mortes, meus cortes, minhas cicatrizes, meus desesperos, meus apelos, meus vazios, meus outros eus.

Amém. Agora posso tentar seguir.

Jota Quest - Só Hoje

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Dor, mente

Tudo veio ao mesmo tempo. Toda a vida tentando ser lembrada em um único momento. Saudosismo, arrependimento, saudade, tristeza, alegria... os sentimentos também vieram de uma vez. O peito acelerava, disparava como quem vê um fantasma do passado ali na frente. Mãos trêmulas, palidez...  a cabeça doeu, não sabia se por um efeito colateral ou como uma auto-defesa.


Liah Soares - Tempo Perdido




Enquanto sentia a dor, a cabeça tentava refazer a vida. Voltava no tempo e tentava mudar muitas coisas, coisas grandes demais para serem mudadas, coisas antigas demais, mas que transformaram os dias atuais. Quem ficou pra trás? Quem permaneceu ao seu lado? Quem encontrará amanhã? Quem reencontrará o caminho pra sua vida? Só se esquecera não pode fazer nada, nem mesmo mudar aquilo que foi feito, ou desfeito, lá atrás.

Não bastava fechar os olhos e reinventar seu mundo, cedo ou tarde é preciso encarar a realidade. Abrir os olhos e perceber o quanto uma escolha pode trilhar caminhos. Continua!, ouviu alguém gritar lá dentro. Olhou o horizonte e seguiu, tendo de fazer mais escolhas (talvez mais acertadas).

Maneva - Saudades do Tempo



sábado, 2 de novembro de 2013

Curto esse Curta!

A morte é sempre motivo para frustração, angústia, apreensão, medos e lembranças dolorosas para todos que perderam pessoas próximas. Ninguém a espera, pelo menos a grande maioria de nós não. Hoje, Dia de Finados, mais do que lamentar e sentir as ausências é um dia para se pensar nesta hora derradeira.

E você, tem se preparado para a sua morte? Tem se preparado para a morte dos seus? Polêmico, elogiado, "sombrio" e engraçado, o curta metragem abaixo traz muita discussão e reflexão sobre o tema. Afinal morrer nunca foi o grande problema, viver sim.

A produção nacional traz Laura Cardoso e Paulo José no elenco.

Morte - com Laura Cardoso e Paulo José

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Presente Ausente

Véspera de aniversário e muitas coisas ficaram na minha cabeça nas últimas semanas. Numa conversa sobre presentes que gostaria de receber, não fiz uma lista grande. Acho que sempre foi assim, nunca fiz grandes pedidos, nunca quis muita coisa, ou desejei muito.

Talvez por isso a vida sempre tenha sido generosa comigo e acho que seria muito da minha parte exigir ainda mais dela. Tudo que sempre precisei recebi nas medidas e momentos certos. Algumas vezes tive a impressão de que tive muito mais que o merecido.

Só que esse ano quero pedir um presente, algo que não poderei ter. Meu maior presente, hoje é ausente. É o desejo de acordar amanhã e sentir o abraço da minha mãe, ouvir seus votos de felicidade e sentindo seu cheiro saber que tudo permanece igual.

Não sei dizer como estou me sentindo nesse primeiro aniversário sem ela. Nas últimas semanas tenho estado mais recluso, extremamente impaciente, irritado e agoniado. Não quero comemorar, acho que uma parte em mim acredita nem mesmo ter o quê comemorar.

Eu ainda não consigo imaginar como será meu dia amanhã, só penso nas coisas que não terei. Mesmo sabendo que não receberei essa presença da minha mãe, sei que ela já me foi dada por 27 anos. Onde estiver, meu maior presente, só desejo que esteja comigo.

Marcelo Jeneci e Laura Laviere - Longe

sábado, 13 de abril de 2013

Esvaziando o pote...

Acendi um incenso, logo o cheiro me lembrou minha mãe. Daí então, outras lembranças começaram a se listar, como se tivesse feito uma busca na internet e milhões de coisas tivessem aparecido como resposta. Lembrei-me que hoje ela estaria feliz preparando-se pro aniversário da minha tia. Fazendo alguma coisa pra levar pro almoço, me chamando pra comprarmos algum presente e fazendo mil ligações pra minhas outras tias, meus primos e minha vó (que partiu há exato um mês).

A música no computador, me fez lembrar da nossa última conversa, por telefone. Para saber o quê comprar pra essa mesma tia que faz aniversário. Sentei na cama pra recuperar o fôlego e tentar achar uma resposta, um sussurro divino que me diga até quando vai doer tanto assim? Até agora só me vieram lágrimas.

Sei o quanto esses lamentos cansam os olhos de quem se dá ao trabalho de parar pra ler minhas postagens, mas algumas vezes é só escrevendo que consigo esvaziar o pote que se enche aqui dentro. Sei que nem todos entendem isso, e espero que tão cedo não saibam o que é essa dor. 

Mesmo crendo que exista algo além dessa vida, mesmo acreditando que ela permanece viva em algum bom lugar, isso ainda não é o suficiente para acalmar o coração. Mesmo comungando do pensamento de que o meu sofrimento também a traz sofrimentos, não consigo deixar de sofrer, acho que sofro em dobro.

Saudade é ignorante, desconhece crenças, datas e horários. Saudade não consegue entender o tempo. saudade é quando a pessoa ausente se torna extremamente presente e isso não é reconfortante. Apenas nos incomoda, nos atormenta, lembrando que essa pessoa só chegará aqui (quando muito) arrastada pelas lembranças que não preenchem.

Não há mais o contato físico do tato, do abraço apertado, da mão que virá procurar a sua pra segurar enquanto atravessa a rua e dos cabelos pra brincar de descabelar. Não dá mais pra ouvir a boca sempre pintada soltar aquelas gargalhadas, ou contar as piadas, dizer besterias, conselhos, broncas, pedidos, ou simplesmente cantarolar todas as músicas que você já ouviu desde seus primeiros anos de vida até hoje. 

Talvez ainda se sinta alguns cheiros, mas o cheiro bom, aquele que era dela... perdeu-se pra sempre. Jamais haverá outra comida que cheire, que traga os gostos temperados com música e sorrisos. E os olhos apenas se enganam com algum vídeo, ou mesmo foto sem sentimento algum. Apenas uma repetição de imagens artificiais que jamais deixarão de ser passado. Nenhum daqueles lugares terá sua presença novamente. E eu preciso do presente, do imediatismo. Me transformo em criança mimada que exige o agora.

E é só por isso que eu venho aqui desabafar e alugar os "olhos" de cada um que se dá ao trabalho de ler isso. Apenas porque tudo o que conheço da vida é com ela ao meu lado. Não escrevo esperando "curtidas", comentários com declarações, ou mesmo dó e indiferença, só quero realmente esvaziar o peito e desentupir o canal lacrimal compartilhando com cada um o que nem eu sei explicar.

Hoje não quero que venham me dizer que não devo chorar, ou que ela permanece viva dentro de mim (já fui tolo o suficiente de repetir isso para alguns amigos acreditando que resolveria o problema). Quero mais é que se foda toda essa ladainha, eu a quero aqui comigo e sei que isso não vai acontecer e se ninguém poder me dar isso, não me digam mais nada, nem mesmo o que devo ou não fazer.  Rezem, meditem, me mandem bons pensamentos, mas por favor não digam que eu não posso sentir falta de 27 anos repletos de tudo isso.

Só quem esteve ao seu lado, por pelo menos um dia, entende o silêncio e o vazio que ficou.

(E todas as perdas que vieram de lá pra cá também fazem questão de estar por aqui. Minha mãe, minha vó e até mesmo eu, que me perdi de mim...)


Leandro Léo - Poema

quarta-feira, 20 de março de 2013

Lembranças de Setenta Agostos

Brasília, 31 de Agosto de 2012

Ontem, em uma rápida viagem com minha mãe e minha vó, vivi um daqueles momentos que a vida nos proporciona para que jamais nos esqueçamos. Apesar de fragilizada e acreditar estar debilitada, pude curar os problemas de minha vó apenas com uma alta dose de atenção e longas conversas. 
  
Sem tantas dores, tremores nas mãos, reclamações ou qualquer uma das queixas tão comuns nos últimos tempos, a vi como não via há anos. Seus olhos estavam tão vivos e reluzentes que lembrei-me da mulher que conheci anos atrás. Lembrou-se de toda a sua vida, da infância, dos irmãos, dos sobrinhos espalhados por todos os cantos do Brasil e de outras histórias familiares.
  
A partir de um retrato, lembrou-se do dia em que conheceu meu avô em um baile, ainda que ele não dançasse. Por um instante as mágoas sumiram e detalhou a beleza e juventude do meu velho. Mas ela reforçou também seus atributos em seu belo corpo e a vaidade de uma jovem adolescente. As histórias foram sendo contadas pouco a pouco e quando menos vimos haviam se passado sete décadas.
  
No caminho, imaginou-se dona de uma bela fazenda à beira da estrada com um lago rodeado por palmeiras. Entrando na brincadeira, pedi que ela me desse já que além de neto sou seu afilhado. Sorrindo, ela concordou em me dar o imóvel que possuía em seus sonhos. Como era bom ver que ela tinha retomado os sonhos. Pensou na vida, caso tudo tivesse sido diferente. Pensou também no quanto poderia ter deixado mais para os seus, mas no fim contentou-se com tudo o que pôde fazer.
  
Sorriu, gargalhou, se divertiu, se irritou com os caminhões nos fechando na estrada e também reclamou um pouco. Se emocionou com suas roseiras no jardim, todas floridas como se estivessem competindo com os hibiscos. Lançou beijos para as flores e as tocou com delicadeza, retribuindo carinhosamente por enfeitarem seu quintal. Havia mais vida naquelas flores, naquela estrada, naquele dia, naquela alma.

(Descanse em paz vó, madrinha, amiga...)


Maria Gadú - Oração ao Tempo 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O que falar para alguém que está prestes à morrer?

Há dias tive contato com o texto abaixo. Me deixou incomodado. Repensei tantas coisas, mas é óbvio que não me esqueci do que vivi há pouco tempo. O texto é uma reflexão sobre a vida, mesmo que fale de morte.   Espero que de alguma maneira ele possa tornar os dias que nos restam ainda melhores.

Não tenho muito, ou talvez tenha, mas não saiba, o que dizer sobre o diálogo entre o psicólogo Frederico e o paciente terminal R. Só peço a leitura, a reflexão será inevitável. Se alguém quiser compartilhar as sensações e sentimentos pós-leitura só colocar nos comentários.

=)


"O que falar para alguém que está prestes à morrer?" - Nota de Falecimento de R.

por Frederico Mattos




Meu nome é Frederico Mattos, tenho 31 anos, sou psicólogo e escrevo o http://www.sobreavida.com.br/, um blog sobre coisas da vida e relacionamentos. Um leitor me enviou esse email:


“Olá Fred,

Já que a Dona M. tomou coragem e confessou que nunca amou o marido de 30 anos eu tomei a liberdade de mandar esse e-mail.

Enviei logo cedo após receber meus remédios para que você pudesse ler logo que acordasse. Espero que não se importe.

Estou há uma semana internado num bom hospital e entre um mal-estar e outro tenho lido seu blog. Logo que me internei um amigo me disse: acho que agora é hora de pensar sobre a vida. Sou viciado em tecnologia, peguei meu iPad (foi a única coisa que pedi que os médicos não me tirassem) e digitei no Google “sobre a vida”. Surgiu seu blog e confesso que pensei “mais um blog de merda falando blábláblá”. Não dei confiança, mas depois de não achar nada muito interessante voltei ali.

Tenho 28 anos, minha barba cultivada com gosto para que eu aparente mais idade está caindo, isso me aborrece.
A questão que me intriga é que vou morrer e não sei o que fazer diante da morte. Vou morrer em breve, talvez eu não receba sua resposta. Claro que não estou pendente disso para morrer (isso está infelizmente fora de minhas mãos), mas filhadaputamente o padre que veio me visitar e não gostei do que ouvi. Sei que ele trouxe palavras bondosas, mas tão vazias de real sentido para mim que aproveitei que eu estava vomitando que nem um desgraçado para enxotar aquele velho de batina. Minha doença me consome rapidamente e não acredito em nada para além desta vida, nem preciso acreditar. Sou ateu (o máximo de fé que tenho é fazer figuinhas, pois mamãe me ensinou e lembro dela quando faço) e sinceramente não me culpo por isso.

Tive uma vida cheia de acontecimentos, aproveitei tudo mesmo, sem exageros ou excentricidades. Minha doença é um tipo de problema genético, raro e fatal. Os médicos não afirmam nada (eles sempre estão um pouco emburrados), mas já pesquisei na internet e realmente acho que vou bater as botas mais rápido do que eu queria.
Fiquei pensando o que você, como psicólogo, teria a dizer para alguém que tem algumas horas ou dias de vida ainda pela frente? Se eu não conseguir ler a resposta espero que ajude alguém nas mesmas condições ou que ajude qualquer um.

Abraço,
R.”


Caro R.

Acho que não estou em posição de aconselhar alguém que está em uma condição única e porque não dizer privilegiada como a sua. Sim, privilegiada. Estar diante do próprio fim e fazer a pergunta certa não é tão simples.

Já que você digitou no Google SOBRE A VIDA, vou falar algumas coisas que penso sobre a vida. Espero que sirvam.
Na vida eu finjo que não tenho medo da morte faz muito tempo. Eu tenho construído um castelo de certezas, de virtudes e de sentido para simplesmente negar o fato de que vou morrer, assim como você.

Na vida vi que todas as amizades que tenho são para me deixar menos sozinho comigo mesmo. Além disso evitar saber que tudo irá acabar de um momento para o outro. Mas elas dão um colorido diferente para o passar dos anos. Algumas valem a pena cultivar, outras são passageiras e deixam uma marca, algumas temos o dever moral de levar para a vida inteira.

Na vida não tenho certeza de nada e noto que a maior parte das pessoas não tem. Mas não perdemos a irresistível atração em fingir que sabemos de tudo. Antes eu ouvia os bons conselhos, agora duvido deles. Sempre me parecem demasiado polidos ou conservadores. Como aquelas tias velhas que tem medo de atravessar a rua e recomendam que você não faça o mesmo.

Com as críticas ainda tenho dificuldades, confesso que quando me dizem que sou metido a sabichão ainda fico meio doído. Acho que é pelo fato de que a pessoa ainda não me conheceu de verdade e me julga pelas minhas defesas. A prepotência que me resta é só um jeito falsamente forte que encontrei para que eu não seja inundado pelo mar de amor que sinto, mas me fragiliza.

Pelo visto você é uma pessoa que foi agraciada pelo bem estar financeiro. Isso é excelente, com o tempo aprendi que o dinheiro pode ser um grande amigo de boas realizações. Que ele é a chave mestra que reflete o fruto do meu trabalho e que me abre portas para conhecer coisas que eu nunca poderia sem ele. O dinheiro não é meu inimigo e nem meu amigo, apenas um cúmplice daquilo que quero ser. O meu dinheiro sou eu em forma de notas. O dinheiro de cada um reflete o que a pessoa é.

Também me parece que você é muito amado pelas pessoas. Essencialmente cercado de pessoas boas que te recomendam no momento mais difícil que pense sobre a vida. Isso parece que é a grande fórmula para viver e morrer feliz. Nos cercamos de muitas pessoas que nos fazem mal, nos colocam para baixo e subestimam nossa capacidade. Elas querem nos ajudar de um jeito que reforça nossa infantilidade e passividade na vida. Com o tempo procurei selecionar as pessoas do meu convívio. Conheci amigos maravilhosos, terminei relacionamentos que me faziam mal e cultivei bons hábitos como me encontrar sempre que possível com as pessoas que eu amo. Meus livros que eu tanto adorava ler com exclusividade absoluta agora estão um pouco de lado. Ainda os amo, mas livros sem pessoas são apenas folhas sem sentido. O verdadeiro livro que sempre quis escrever já está sendo escrito no longo dos meus dias. Acho que o seu livro não-publicado deve ter excelentes páginas e narrativas memoráveis. Deixe que isso te alegre, inclusive agora.

Com o tempo eu percebi que a cereja do bolo da minha vida não foi composta de grandes eventos ou celebrações. Mas foi no tecido invisível dos minutos discretos que ninguém reparava. Eu sempre soube que aqueles pequenos gestos de gentileza é que realmente fazem a diferença. Acordar um pouco mais cedo para dar a mão para uma pessoa. Levantar da cama antes e pegar o copo d’água. Consolar uma lágrima que não foi anunciada. Pequenas coisas pelas quais você não vai ganhar nenhum prêmio ou recompensa e ainda assim devem ser feitas.

Meu caro R. tenho medo, muito medo de tudo. Medo de falhar, fracassar, decepcionar, fraquejar, deprimir até parar com tudo e ficar maluco, as vezes enfrento dias difíceis (na minha cabeça) que penso que não vou aguentar. Mas administro esse medo da seguinte maneira, sei que são apenas medos, nada além disso. Um jeito meio menino de fantasiar as coisas maiores do que realmente são só para que depois eu brinque de super-homem. Afinal quanto maior meu obstáculo, mais eu acho que fui invencível na superação.

Hoje tenho rido muito mais de mim, sou um desastrado. Não sei cortar uma melancia sem sujar toda a pia e ela ficar parecida com um leque torto e feio. Me perco no transito, mesmo com GPS. Falo coisas fora de hora. Confesso meu amor antes do tempo. Tolero coisas intoleráveis por mais tempo que devia. Sou um bobo incorrigível. Mas, afinal, essa é a versão improvisada de mim mesmo, sei que com o tempo esse eu de hoje será uma lembrança pálida no eu de amanhã. Então rir de mim me ajudou a não me magoar tanto ou me levar tão à sério), afinal todos somos rascunhos da vida. Perdidos como ratos pelados.

Lidar com pessoas sempre foi um desafio para mim. Sou sensível ao extremo, um sorriso me levanta e um olhar de desaprovação me derruba. Comecei a entender, a duras penas que não posso ter controle do que os outros sentem por mim. Se você me odeia problema seu, se me ama também. Pode parecer uma visão radical ou uma fala grosseira. Mas se pudesse me ouvir agora dizendo isso seria com uma voz doce e com sorriso nos olhos. O ódio que sente por mim é responsabilidade sua, o amor que sente também. O máximo que posso fazer é dançar em volta do seu coração até que seu ódio se acalme e me veja humano (com o que tenho de bom incluído) e seu amor se consolide e me veja humano (com o que tenho de pior incluído).

Acho que o mais difícil de morrer deve ser imaginar que não veremos mais aqueles que amamos. Quando trabalhei com pessoas com câncer (doença nem sempre rápida e fatal) aprendi que a melhor despedida acontece com as relações que foram mais completas e sem falsidades. Se tivemos uma relação truncada, conflituosa e cheia de pendências o luto é mais difícil. Nesse momento tente diminuir as suas pendências e diga o que vem no fundo do seu coração para os outros. Não hesite, você não tem mais nada a perder. Literalmente.

Posso dizer que o amor e o trabalho sempre me guiaram. Mas sei que o amor é um enigma. Hoje me parece muito mais um grande campo em que muitos eventos acontecem por ali. Toda a vez que tentei cercar demais a pessoa amada ela se foi, deixar ela pra lá em demasia também não funcionou. A melhor garantia que posso oferecer hoje é que onde eu estiver estarei ali.

Já fique muito preso ao passado e tudo o que não funcionou ali. Também já fiquei afoito para que o futuro chegasse logo e ele nunca chegou quando eu queria. Então decidi colocar o rabo no meio das pernas e viver aquilo que eu consigo hoje. As vezes minha cabeça me engana e tenta me sequestrar para frente ou para trás. Então eu digo para minha mente “ei, dá uma olhadinha nesse momento entediante, podemos fazer algo com isso, que tal?” e numa fração de segundos a minha mente faceira corre para brincar comigo no presente de novo.

Sou tão jovem quanto você, então não encare como presunção tudo o que eu disse. Posso garantir que existem vidas muito mais interessantes que a minha para você tomar por exemplo. Minhas grandes vivências aconteceram mais no fundo do meu coração do que na vida concreta. No entanto, foi a vida que me coube viver e que me satisfez até agora. A sua vida é a melhor que você pode viver, olhe com compaixão por ela, nada acrescente nela e muito menos mutile. Tudo ali é do tamanho que devia ter. Até sua barba que se despediu de você.

Quando olhamos uma vela temos a ilusão de que ela irá apagar quando a cera chegar ao fim. As vezes acaba antes, outras a luz continua depois. No seu caso, sua vela está te surpreendendo, em alguns minutos. A minha pode me surpreender, assim com todas as pessoas que amamos. Estamos no mesmo barco.

Minha curiosidade (mal que não quero tirar de mim) vai me dizer para que dê um retorno caso tenha conseguido ler. Sei que os leitores do blog vão pedir o mesmo. Então se puder, mande um sinal de fumaça. Sei que esse texto vai ajudar mais quem ficará vivo (ou finge que está vivo como eu) por um pouco mais de tempo que você. Mas se te ajudar em algo, já fico mais que satisfeito.

Ah, se eu pudesse falar uma última coisa seria morra o mais vivo que puder

Um abraço meu caro, longa vida enquanto ela existir!

_______

Hoje recebo esse recado:

Meu irmão pediu que eu enviasse esse e-mail para você assim que falecesse. Ele me mostrou o texto do seu blog emocionado e falou coisas muito bonitas sobre o amor que sentia por todos nós e se desculpava se nem sempre estava tão presente quanto gostaria. Acrescento que ele partiu essa madrugada de sexta-feira tranquilamente e sem dor, abraçado com papai e seu iPad (inseparável, aposto que vai procurar o Steve Jobs). Sentiremos muito a falta daquele menino que sempre tinha uma palavra carinhosa e um sorriso pronto nos lábios.

"Querido Fred


Fiquei comovido com a honestidade em revelar aspectos da sua vida de um jeito tão afetuoso, gentil e claro. Eu também não sei cortar melancia direito. Achei de extremo carinho você não tentar me convencer de nada como fez o padre.

Nas suas palavras vi que a maior expressão do espiritual é a própria vida e as pessoas à nossa volta: o amor que me une à minha família e os meus amigos. Pensando assim, o meu quarto estava absurdamente lotado de coisas espirituais agora à pouco e pedi que todos me deixassem à sós por minutos para poder escrever essa mensagem. Prefiro que ela seja entregue à você quando eu morrer. Agora posso falar sem peso sobre a morte, pois sei que deixarei meu legado com todos: minha memória.

Meus amigos trouxeram um violão e me cantaram  músicas que eu gosto (uma delas). 

Titãs - Epitáfio

Meu pai fez bolo de laranja com suco de cajú de dar lombriga. Minha irmã recitou um poema de Vinícius de Moraes que me emociona. Minha namorada só chora e me beija (energia feminina pura) - bem que eu podia durar mais uns dias ;). Meu primo trouxe um pendrive com imagens do meu cachorro latindo para a camera. Mamãe já falecida, me veio fortemente na memória. Não tenho a pretensão de reencontrá-la, pois no meu coração ela nunca partiu. Estou meio sensível hoje! heheheh

Obrigado pela rapidez e prontidão em me responder, nem esperava um post para mim (mentira) e senti o carinho dos seus leitores. Se puder crie uma nota de falecimento no Facebook e peça a eles que compartilhem seu texto com todo mundo (quero ser um morto virtual famoso rsrsr). As pessoas à sua volta tem sorte em tê-lo em suas vidas, pena não ter sido seu paciente ou amigo. Fucei na internet (sou stalker) e vi que fará 31 anos em breve, parabéns psicólogo! 

Após cremado, quando as cinzas forem atiradas ao mar digam: aqui nada um homem feliz! :)

Seguirei seu conselho: quero estar bem vivo quando eu morrer!
Um abraço e longa vida a você também...
Do amigo que parte, R."

Hoje meu amor fica sem palavras e como foi pedido por R. se quiser compartilhe essa nota de falecimento.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

2012, o ano do amor

De 2012 só me recordo do amor. Tive ao meu lado um grande amor, principalmente quando perdi meu amor maior (minha mãe). Por isso só posso falar que esse foi um ano de amor. Amor em todos os tons, sons, gostos, texturas, aromas, calores, tamanhos e intensidades.

Mas se perdi minha mãe, como pode ter sido um ano de amor? Por todo o amor que recebi de volta. De quem esteve ao meu lado todos os dias, dando amor, compartilhando os choros e o colo aconchegante e seguro pra me refugiar; dos meus amigos que me consolaram e ajudaram; da minha família e principalmente do meu pai ao aprendermos a nos amar ainda mais. Pode parecer ridículo, mas também recebi de minha mãe. Sua partida deixou um universo de amor dentro de todos os que a amavam.

Termino o ano com uma lista de tristezas e perdas, mas outra de alegrias e realizações também. Nada irá substituir as ausências (em especial da minha mãe), mas devemos viver um dia por vez. Amanhã nascerá outro Sol, outro dia, outro mês, outro ano, outra chance de ser feliz mais uma vez.

Ultimamente não tenho estado na minha melhor condição mental e espiritual, por isso não vou me alongar no último post do ano. Não tenho muitas expectativas para 2013. Espero que seja um ano de saúde e paz. Que tenhamos coragem e força pra enfrentar o que está por vir e fé para não desistir.

Feliz 2013!

Maria Bethânia - Tocando em Frente

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

E a vida continua...

Véspera de Natal, mas não será tão fácil e alegre comemorar por aqui. O dia amanhece dando sinais de que será triste e arrastado. Se fosse um outro feriado santo talvez seria uma sexta-feira da paixão. Mais do que presente em sua ausência, minha mãe tem estado em sonhos comigo. Não que sonhar seja ruim, o problema sempre esteve em acordar.

E despertar em datas assim, tão familiares, piora tudo e fica fimpossível não se lembrar dela. A imagino na cozinha preparando pratos para a ceia, ligando para as minhas tias, para a minha avó e me acordando para irmos comprar presentes e a batata palha, que sempre faltava.
Mas hoje não será assim... e preciso me acostumar. 


Não bastando minha dor, a ceia de hoje também será de luto para meus primos. Três meses antes da perda da minha mãe, eles perderam seu pai. Seremos quatro órfãos (eu, meu irmão e meus dois primos), dois viúvos (meu pai e minha tia) e meus avós chorando a perda de uma nora e um genro. Não teríamos ceia, mas apesar dos pesares celebraremos pelos que ainda estão aqui. Uma difícil e insuportável lição da vida, ela continua e não para por caprichos ou lutos de quem quer que seja.

Quero que cada um que ler isso entenda o dia de hoje como uma data para agradecer e se comemorar a vida, celebrar a família, os amores e principalmente se alegrar pela presença de cada um dos seus ao nosso lado. A mãe coruja, o tio chato, a cunhada bonita, o sobrinho levado, a namorada ciumenta, o irmão preguiçoso, a tia nojenta, o primo engraçado, o noivo esquecido, a avó religiosa, o avô animado...

A vida é tão curta. Leva quem amamos e nos deixa com a triste sensação de que devíamos e podíamos ter feito muito mais. Ter amado, vivido, dito uma centena de coisas, ter feito declarações de amor, ter deixado de lado as discussões e ter perdoado. Minha mãe se foi, mas o amor ficou aqui nos enfeites da casa, na saudade doída e nas boas lembranças que por vezes nos faz chorar, nos faz sorrir e esquecer que temos uma vida pela frente.


Não digo que seja fácil. A cada dia parece que piora, que a dor aumenta. Existe dentro de mim uma louca certeza de que minha mãe vai chegar de viagem a qualquer momento, mas infelizmente não vai ser assim. Se alguém também vive um luto, lembre-se que, mesmo nas tristezas e nos sofrimentos, não somos desamparados nem esquecidos por Deus. Por mais que algumas vezes a gente pense que Ele nos abandonou.

Feliz Natal!
Muita paz e luz pra todos nós.


Mart'nália - Benditas

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Adeus - II

Meu corpo estava cansado ao extremo, emocional e psicologicamente pela perda de minha mãe e fisicamente pela noite em claro no aeroporto do Rio Grande do Norte e as pouco mais de duas horas de viagem. Um banho longo, um suco, uma fruta e estava "pronto" para seguir para o cemitério.

Não sei o que havia naquele dia. Se Sol, se chuva... de alguma forma cheguei lá e apenas recebi abraços e palavras de inúmeros amigos e familiares.Tantos rostos e vozes conhecidas e queridas apareceram naquele e nos dias seguintes. Por mais triste que fossem aqueles momentos, o alento daqueles que nos querem bem sempre será um conforto ao coração.

Amigos de longa data de minha mãe também vieram. Estiveram ali para se despedir. Não a vi, quis lembrar-me da última vez em que me despedi e viajei. Minha despedida foi 11 dias antes, mas dias depois do velório nada daquilo parecia ser verdade. Ainda tenho a certeza, mesmo hoje, que daqui dias ou horas ela voltará de alguma viagem.

Uma vizinha e amiga de minha mãe prestou ainda uma última homenagem. Durante o sepultamento puxou uma canção que ouvi algumas dezenas de vezes minha mãe cantarolar. Todos acompanharam, choraram e entenderam que aquilo que cantavam narrava a vida daquela de quem se despediam. Uma vida vivida sem vergonha de ser quem se era, de ser feliz...

Gonzaguinha - O que é, o que é

Eu fico
Com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...

Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...


Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...

E a vida!
E a vida o que é?
Diga lá, meu irmão
Ela é a batida
De um coração
Ela é uma doce ilusão

E a vida
Ela é maravilha
Ou é sofrimento?
Ela é alegria
Ou lamento?
O que é? O que é?
Meu irmão...

Há quem fale
Que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo...

Há quem fale
Que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor...

Você diz que é luta e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é
E o verbo é sofrer...

Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser...

Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte...

E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Adeus - I

Enquanto na TV homenagens eram prestadas a uma falecida apresentadora, cantora e atriz, eu já me encontrava triste sem saber ao menos o motivo. Coloquei minha mala sobre a cama e a fiz para voltar. Mesmo que ainda faltasse tanto tempo para retornar, quis (sem saber o motivo) deixar tudo pronto para minha volta.

Na rua, comprei a lembrança que faltava. Um quadro retratando a santa ceia, algo que minha mãe sonhara por tantos meses. Enfim, achei um que lhe agradaria. Peguei o celular para avisá-la, mas hesitei no último segundo. Que tal fazer uma surpresa? Desliguei e fui dar um passeio noturno à beira-mar, um último brinde e depois descansar. Ainda assim algo parecia estranho desde o sábado pela manhã.

O telefone toca, minha mãe!? Pelo adiantado da hora achei estranho, mas o que poderia ter acontecido? Com certeza ela me perguntaria sobre algo relativo à viagem e se alguém iria me buscar do aeroporto. Atendi brincando e perguntando o quê ela queria. Do outro lado meu irmão aos prantos me pergunta onde estou, me pede pra ser forte e avisa que nossa mãe havia desencarnado...

Não me lembro bem o que aconteceu depois disso. Com muita dificuldade e passado algum tempo cheguei ao hotel aos prantos, sentei na cama e rezei pela alma da minha mãe. Minutos depois enviei duas ou três mensagens e recebi dezenas de telefonemas e mensagens.

Outra vez minha memória falha e agora já estou a caminho do aeroporto. Perto da meia noite alguém me liga, mais choro, mais inércia, mais nada. Uma noite sentado, sob um ar condicionado me congelando e eu tremendo de medo. Não queria voltar, mas também sabia que fazia parte da vida enterrar meus mortos.

Já de volta à Brasília, meus primos me esperavam. Choramos, nos abraçamos e eu ainda parecia estar dormindo. Esperava acordar ou ver ao chegar sorrindo e me dizer que tudo não passou de uma brincadeira. Até agora estou esperando.

Em casa outra sessão de choros a cada novo abraço e desejo de me reconfortar. Me vi tentando reconfortar tantos, a começar pelos meus avós e pelo meu irmão deitado em minha cama, dopado pelos remédios de tarja preta e como se quisesse meu perdão, jurou ter feito de tudo para salvá-la.

A casa revirada e suja descrevia toda a tragédia ocorrida ali horas atrás. Talvez depois de tudo isso, meu pai tenha descreditado ainda mais que Deus possa existir. Não que ele precisasse de novos argumentos, isso ele têm de sobra, mas talvez agora ele tivesse motivos reais para descrer. Ao me ver, veio emocionado me abraçar. Não sei ao certo se foi eu quem o acalmou, ou se ele me deixou nervoso.

Não houveram despedidas, tudo repentino como ela queria que fosse sua partida. Mas tenho a certeza que nem mesmo ela queria que fosse tão doloroso para todos nós. Agora seríamos apenas nós dois (eu e meu pai) e toda falta que minha mãe deixou. Terceiro elemento que se faz muito mais presente e preenchedor de espaços dentro dos nossos dias daqui por diante.

Alcione e Maria Bethânia - Sem Mais Adeus

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pensamentos para a morte

Uma notícia sobre a morte de dois jovens em minha cidade me deixou preocupado. Não os conhecia, talvez um deles eu saiba quem seja, mas apenas de vista. Se for de fato quem penso que seja, já o vi uma dúzia de vezes em festas, ou pelas ruas da cidade. Mas acredito que minha preocupação tenha a ver com a forma como eles morreram, ou até mesmo por serem jovens.

Pensei em mim, jovem ainda e motorista, que também faz o mesmo trajeto e que, volta e meia, acelera para chegar logo em casa. Me aliviei por não ser dependente das drogas para ter uma noite divertida, o que quase sempre é um agravante em acidentes de trânsito. Diria até mais, é um fator decisivo em acidentes de trânsito, de madrugada, nos fins de semana.

Na mesma noite Whitney Houston também morreu. Afogada, devido os calmantes, ou pela mistura dos remédios com o álcool? Ficam as perguntas a serem respondidas daqui semanas. Independente das coincidências e diferenças que possam haver entre os dois casos, sei que são acontecimentos assim que nos alertam para a vida. Quanto a colocamos em risco? Quanto a desperdiçamos, a desafiamos, ou mesmo a desprezamos?

Pra piorar minha tensão, reparei que ultimamente há um certo tom de despedida em meu discurso. “Pronto, meu nome tá no topo da lista”, pensei deitado em minha cama. E se houver de fato uma premonição nisso tudo?, tratei logo de levantar e pegar o laptop pra rascunhar qualquer texto que se torne póstumo. Até mesmo uma ligeira pontada no coração que volta e meia acontece, resolveu dar as caras hoje.

Logo me veio a pergunta: Como você quer morrer? A resposta óbvia é, “não quero morrer de jeito nenhum”. Mas entre tantas terríveis e possíveis maneiras que cabem à morte, acho que a escolha seria pela maneira menos dolorida e angustiante, como qualquer um escolheria se fosse possível.

Pronto, escolhida a maneira. Agora precisaria definir a data. Isso seria algo indefinido pra qualquer um. Nos momentos de raiva, ou tristeza já quis a morte, então essa data sofreria constantes mudanças só por isso. Uma escolha razoavelmente interessante seria da morte logo após o nascimento, para não ter raciocínio nem expectativas quaisquer sobre a vida. Mas como disse acima que não queria passar por este momento, optaria por nunca morrer. Enfim, tendo de definir prazos iria querer o mais distante possível.

Tentei pensar em mais coisas para me questionar e depois de muito tempo me veio a palavra, Onde. Nunca havia pensado em local para morrer. Deitado em minha cama? Talvez fosse melhor vendo o pôr-do-sol, na beira da praia, numa cachoeira, em um belo bosque, no jardim, na rede sob a sombra de uma árvore... comecei a imaginar tantos lugares que de repente me vi sorridente e criando expectativas sobre minha morte.

O que levaria comigo? Outro sorriso veio, seguido por uma gargalhada. Tantas histórias surgiram, tantas pessoas, tantos cheiros, gostos, cores..., mas levaria apenas as lembranças. E só de lembrar já me trazia uma felicidade imensa de ter vivido boas histórias em minha vida.

O trágico deu lugar ao lúdico. Tornar a morte bela foi só uma questão de pergunta. Me dei conta que mesmo a morte tem lá suas coisas boas. Se é que podemos ver dessa maneira. E para acabar com toda alegria me perguntei: Quem eu queria ver antes de morrer? O nó na garganta trouxe alguns nomes à cabeça, mas dizer um apenas seria injustiça. Preferi optar por Deus. Acho que vê-Lo seria, antes de mais nada, um bom sinal.

Legião Urbana - Música Ambiente

quarta-feira, 7 de julho de 2010

(Anti) Sentimental

Morte fede. Sim, ela tem cheiro forte e desagradável. Hoje senti esse cheiro e me assustei. Logo procurei por algum sinal dela. Algum corpo, algum morto, algum outro que também estivesse sentindo esse cheiro e me comprovasse que não estava louco.

A morte sempre nos rodeia, mesmo que não estejamos prontos é preciso lembrar que ela está sempre disposta e na ativa. Assim como a vida surge a cada segundo, a morte perde-se a todo instante. Morrem pensamentos, desejos, bichos, plantas, gente jovem, gente velha, gente feia, gente bonita, gente que amamos, gente que odiamos, gente que desconhecemos, gente que idolatramos e todos aqueles que estiverem vivos.

Quantas vezes morremos na vida? Nas decepções, nas frustrações, nas perdas e em tantas situações cotidianas. Acho que todo mundo convive com a morte tanto quanto convive com a vida. Talvez poucos pensem na morte e a enxerguem num sentido mais amplo do que meramente como alguém perder a vida. Sinto ser eu quem vá trazer essa informação, mas a morte não descança nem mesmo no sétimo dia.

Me lembrei do primeiro corpo que vi. Não do primeiro morto, mas da primeira pessoa morta de uma forma brutal. Pra aumentar ainda mais a dose de crueldade se tratava de uma menina, atropelada em uma ladeira e arrastada por metros até ser esquartejada. Eu e meu irmão ficamos chocados, mas algo nos manteve de certa forma indiferentes àquilo.

Ainda hoje me lembro da cena. Do jornal que cobria o pequeno corpo ser levantado pelo vento e arrancar gritos de horror da plateia, que por um instante esqueceu da praia e dos encantos litorâneos. Após o jornal descobrir a menina e a boneca próxima a ela, eu, meu irmão e muitas dezenas deixaram o local. Talvez por termos visto mais do que esperávamos ali.

Desci a ladeira segurando na mão do meu irmão. Assustado, mas assim que voltei a praia relatei a cena para minha família e logo estava distraído entre o mar, a areia e as pessoas. Acho que minha relação com a morte já estava destinada a ser algo comum. Anos depois fui trabalhar em um jornal policial, lidando com assassinatos ainda mais brutais e cruéis do que a menina na ladeira.

Trabalhar com a morte me fez vê-la com uma carga dramática bem menor do que a grande maioria. Em alguns momentos com frieza e certa indiferença, mas o tempo retomou o espanto de antes com relação à morte. Mas não levou o cheiro forte de sangue e de corpos em decomposição que sempre queima e impregna as narinas.

Mas o preço quase sempre é caro. Lidar com a morte é tornar-se mórbido. É adquirir a frieza e a indiferença necessárias para realizar o trabalho, mas exageradas para viver a vida. Dosar essa apatia para a situação profissional e não levá-la para a pessoal não é fácil. E quando não se consegue fazer isso deixamos morrer em nós aquilo que mais nos faz vivos e humanos: os sentimentos.

Cássia Eller - Socorro

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Cartilha sobre o dia da minha morte

Quando eu morrer não quero seu choro, seu pranto, ou seu remorso. Me dê um sorriso e lembre-se de tudo de bom que vivemos. Ainda que tenha sido pouco ou que tenha sido louco da minha parte. Eu também me diverti contigo, pode acreditar.

Quando eu partir dessa pra melhor não esquente a cabeça. Não mande fazer camisetas, nem santinhos com meu rosto e frases de saudade. Talvez você não saiba escolher a melhor foto, talvez aquele não seja o meu melhor ângulo.

Quando eu estiver do lado de lá não me chame. Deixa eu me acomodar e conhecer o pessoal. Depois, quando eu tiver tempo, volto pra contar como são as coisas por lá. Volto pra saber como estão as coisas por aqui. Mas por favor: não me chame a todo instante!

Quando eu for apenas um corpo sem vida não se preocupe mais. Nada me aflige ou me atormenta. O que vai me importar é bem pouco e já não precisarei me importar com nada disso. Não estou sendo cruel, estou apenas sendo realista.

Quando eu não estiver vivo lembre bem de mim. Reze, ore, medite no templo que frequentares, mas não se esqueça: lembre-se de mim. Só peço uma prece, esse é o meu preço. No mais façam do meu corpo o que for mais barato. Não quero, mesmo morto, te dar mais uma despesa.

Quando eu for embora pode relaxar. Conte meus podres, revele meus segredos. Não quero ser santo, mas também não exagere detalhando tudo. Entre o bom e mau me deixe ficar no meio termo para que todos saibam que eu também errei e fui humano como todo mundo.

Quando eu não estiver mais por perto se acalme. Em silêncio, apenas feche seus olhos e veja que permaneço vivo em cada recordação. Tudo bem, eu sei que não estarei aqui ao seu alcance, mas não estarei distante. Aquilo que eu sou pra você permanecerá vivo, enquanto você quiser.

Enquanto isso não se esqueça de mim e aproveite, porque ainda estou vivo.