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terça-feira, 20 de março de 2012

Amor, por toda a vida

Elegante, educada, com gestos sutis e um olhar que, ao mesmo tempo, estava atento a todos ao seu redor e também estava distante. Seus cabelos grisalhos, curtos e bem penteados deixavam à mostra os pequenos brincos. Com seus quase 70, ela chegou sem muito alarde, mas todos no bar a olharam. Parecia ser um absurdo ver uma senhora ali, aquela hora.

Sentou, sorriu para a garçonete e quase que sussurando fez seu pedido, seguido por alguma explicação. Pouco tempo depois sua bebida veio, seguindo suas exigências. Ao longo das duas horas em que permaneceu ali sentada e quieta bebeu mais dois outros daquele.

O cantor continuava com seu repertório e o restante dos clientes parecia já não mais se espantar com a presença da senhora. Ao seu redor as outras mesas voltavam ao normal, as amigas solteiras de meia idade que flertavam com o cinquentão sentado no canto, os dois casais discutindo sobre a vida a dois e as lembranças da adolescência e um grupo de jovens sentados próximos à senhora.

Pegou sua bolsa na cadeira ao lado, colocou na mesa e pacientemente procurou por algo. Não retirou nada de lá de dentro, parecia apenas empurar os pertences para um lado e para o outro enquanto buscava o que tanto queria. Retirou um batom e um espelho pequeno para retocar a maquiagem. Pintou os lábios e guardou tudo dentro da bolsa. Revirou mais um pouco e retirou uma espécie de porta moedas lá de dentro, onde estava uma aliança. Colocou em sua mão esquerda, como se precisasse lembrar, ou avisar para alguém de que era casada.

Chamou a garçonete e, mais uma vez, fez um pedido. A moça foi então até o palco, onde o cantor havia feito uma pausa e procurava por canções em suas pasta. Conversaram e sorrindo ele olhou para a senhora e a chamou com as mãos. Levantou-se e segurou-a pelas mãos para ajudá-la a subir o pequeno degrau.

Sentou-se ajeitando o vestido, enquanto o cantor ajustava o microfone. Ela perguntou se poderia segurá-lo e ele a entregou. De olhos baixos, parecia olhar para a aliança reluzente, como se tivesse acabado de sair de alguma vitrine. Levantou o rosto e começou a cantar.

No final, chorando, levantou-se sob os aplausos de todos ali. Agradeceu com um aceno e um sorriso, sentou, pagou sua bebida e foi embora levando os mesmos olhares que antes a culpavam, e agora pareciam admirá-la.

Tom Jobim e Gal Costa - Eu sei que vou te amar


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