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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Dias Passados

Chovia tanto que a entrada do seu prédio estava inundada. O porteiro brigava contra a água, tendo apenas um velho rodo de madeira (escuro, talvez podre) como "arma". De botas, sobretudo e com o guarda-chuva nas mãos, ela atravessou o hall sem nem perceber o que acontecia.

Sorria para os vizinhos, mas para o porteiro é que mostrou um sorriso de verdade. Segurou a porta com o pé direito, enquanto abria o guarda-chuva. Seguiu pela rua sem se dar conta do temporal. Parecia desfilar, parecia querer mostrar ao mundo que estava de volta.

Percorreu caminhos que há tempos não ousava ir. Não por medo da violência nas grandes cidades, nem por insegurança ou qualquer motivo banal. Para preservar seu bem-estar, ela se poupou de possíveis ataques que suas lembranças lhe pudessem fazer. Em cada esquina havia um bom motivo para se sentir mal.

Evitar foi, antes de tudo, se preservar. Precisou de um tempo, de uma clausura, até que pudesse enfrentar tudo lá fora. Não que isso mudasse tudo que estava dentro, mas foi melhor assim. Ela caminhava mais segura, mais forte. Ainda abalada, mas seguia.

Se aproximando do semáforo, o tempo foi se abrindo. O dia lhe brindava com um sol radiante. Enquanto abaixava e fechava o guarda-chuva viu o fantasma que tanto lhe assustava do outro lado da rua. Sorrindente, acompanhado por alguns amigos, foi só na metade da faixa que ele percebeu que ela estava ali.

Ela ficou imóvel, sem entender o encontro que o destino lhe providenciava. Sem jeito, ele cogitou conversar e até cumprimentá-la, mas não ousou fazê-lo. Passou acompanhando-a com o olhar. O suficiente para ver a lágrima que escorria no canto do olho esquerdo. De longe ele ainda a observava, talvez também tenha chorado por remorso de tudo o que fez e deixou de fazer.

Tentou seguir, mas a busina a alertou para o sinal já fechado para os pedestres. Ela abaixou o rosto, enxugou as lágrimas e quando pôde atravessou e seguiu seu caminho sem olhar para o passado. Cumpriu mais uma etapa em sua vida, ou não.

Nando Reis - Ainda não passou


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