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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Lembranças de uma vida inteira

Parado em frente ao espelho, olhou seu rosto pela última vez. Tentava lembrar como era há 50 anos. Não foi capaz. Não sabia se por causa das rugas, ou por causa da memória que não ajudava, só sabia que não conseguia lembrar da juventude.

Lembrou-se das histórisa, mas não se enxergava jovem. A cicatriz, próxima da sombrancelha direita, foi feita quando uma telha caiu sobre seu rosto enquanto ajudava a companheira. De olhos fechados, com a ponta dos dedos tocou a marca e recordou do dia em que seu grande amor morreu.

Lavando o rosto tentou encobrir as lágrimas que escaparam rapidamente. Secou a testa, olhos, bochechas, boca, queixo... esquecera porque estava chorando. Refletido no espelho, no corredor paralelo à porta do banheiro, viu uma dezena de fotos.

Seus avós jovens, seus sobrinhos, irmãos, primos e a foto da sua cachorra (da época da sua adolescência) ao seu lado. Surgiu então um sorriso. Ele se reconheceu, reavivou a memória tão traidora e frágil. Apoiando-se nas paredes parou em frente ao seu passado. Todos estavam ali, sorridentes, convidando-o para reviver toda a sua vida.

Em passos lentos, chegou até a janela e se debruçou sobre as lembranças. A paisagem não era a mesma de quando foi fotografado. Apenas o morro permanecia ali, também marcado pelo tempo. Dois senhores do tempo se enfrentando. Cada um com suas marcas, suas dores, suas histórias escritas em algum lugar.

Deitou em sua cama e lembrou do avô que também morreu deitado, nos braços de sua tia. Mas não havia braços, nem colo para ele. Os parentes que ainda possuía eram jovens demais para se preocupar com ele. Aqueles que o amavam já tinha partido muito antes de sua memória se esvaziar.

E todos esses, os que o amavam, foram surgindo ao seu redor. Sorriu por ver que a memória estava viva, outra vez. Ouviu então a voz de todos, o cheiro da comida de sua mãe, os latidos da cachorra, os risos da infância, os gritos do pai o chamando, as orações da avó, o sorriso do avô, a tia cantando ao longe, os carinhos da esposa, as brigas com os irmãos e o rádio ligado na varanda.

Viu que havia um jovem segurando sua mão, era ele com seus vinte e poucos anos: cabelos longos e sorridente. Retribuiu o sorriso para sua juventude, para sua vida cheia de sorrisos. Os olhos então fecharam-se involuntariamente. Como se estivessem pesados pelo sono, descansaram. O rosto ficou sereno, algumas rugas desapareceram e aos poucos foi rejuvenescendo. Não tinha dor, não tinha medo, não tinha mais nada com o quê se preocupar.


Rita Lee - Minha Vida

2 comentários:

  1. Lindo esse texto... Tão real que chega a doer, como se algum dia inevitavelmente isso fosse acontecer com todos nós... Beijos! Dida.

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    1. Quem sabe não será a história de algum de nós? =) BJão Dida, obrigado pela visita no blog!

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