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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Enterrando meus mortos

O dia amanheceu lindo, como tem sido nos últimos dias, mas talvez um pouco mais frio. É impressionante como vazios rapidamente representam um grande espaço físico e sentimental nas nossas vidas. Com a falta dela não seria diferente. Ela morreu, pelo choro constante da minha vó não era difícil perceber que isso de fato tinha acontecido.

Ontem pela noite estive ao lado da nossa Husky Siberiano (de cerca de 13 anos) por todo tempo. Quando me afastava, em busca de algum telefone, ou algo para ajudá-la, os gritos começavam a ser ouvidos de longe. Foi cruel, desumano, vê-la sentir tanta dor e não ter o que fazer. Mas não podia apenas esperar que ela passasse a noite deitada sofrendo até a morte.

Sim, cogitamos o sacrifício, mas minha vó abominou a ideia e disse que se fosse preciso passaria dias e noites com ela até que ela morresse, mas que não a sacrificássemos. Os belos olhos azuis claros (tão claros que estavam próximos do branco) me olhavam a implorar por um alívio. Pediam socorro de qualquer maneira.

De repente um uivo estrondoso e longo e ela vomitou algo escuro. Sangue, ou algo misturado a ele. O desespero aumentou. Ver o preto em contraste com o pêlo branco era algo que não podíamos ignorar, mesmo que ousássemos fazer isso. Entre telefonemas consegui achar o número do veterinário, já que em uma cidade com 120 mil habitantes não existe um que atenda 24hs. Depois de termos feito uma ronda em busca de algum lugar para levá-la.

O médico não podia atendê-la, mas nos indicou uma clínica. Retirando o que disse há pouco, havia um consultório veterinário que atendia 24hs. Corremos para lá sob a recomendação da minha vó de que não sacrificássemos a nossa cadela. Dessa vez era eu quem dirigia, sob a supervisão do meu pai. Sem carteira, sem celular, corri o quanto pude, tomando cuidado com o sacolejo dentro do carro.

Ajudei a levá-la, junto com o funcionário da clínica, até o consultório. Soro, medicamentos... agora era esperar. Todo o atendimento feito. Todas as preces realizadas. Ela uivou mais uma vez, mas agora doeu mais e foi bem mais alto do que todas as outras vezes. Seu olhar não tinha mais foco, inconsciente com tanta dor ela já não sabia e nem sentia ao certo o que se passava.

Tentando segurar o choro fiquei ali, acariciando sua cabeça. Do jeito que só eu fazia, e sabia. Mas era difícil. Sabia que ela morreria, por mais que estivesse ali. E cada carícia era dada como se fosse a última, e de fato foi. A respiração era ofegante, a boca e o focinho estavam secos. Saí do consultório com uma pequena ponta de esperança de que pudesse vê-la hoje pela manhã, mas acordei com o telefonema avisando da sua morte.

Seu coração parou e o meu disparou. A partir de hoje não haverá mais seus uivos de alegria. Seus pulos, seus pêlos, seu jeito. Enfim, morrer também pode ser um alívio quando se está sofrendo e morrendo aos poucos. Saber que ela morreu foi aliviante, acima de tudo. Foram lágrimas tristemente aliviadas. Agora, vou descer e ir até a área verde para ajudar meu avô a enterrá-la. Não vai ser fácil, como nunca foi com os outros cachorros que tivemos, mas foi-se o tempo de facilidades.

Tornar-se homem, adulto, implica em níveis maiores de dificuldade na vida. Foi então que tomei consciência de que ainda tenho muitos mortos dentro de mim para enterrar.

Coldplay - Fix you


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